Paula Lima em estilo inovador
Capa da revista raça deste mês!
A cantora Paula Lima tem pela frente um novo caminho para trilhar na carreira, que, segundo ela, é o mais desafiador até agora. A artista aceitou representar e cantar um dos papéis mais conhecidos e amados de todos os tempos, o da gata Grizabella, que ficou imortalizada ao entoar os versos da música Memory, no famoso musical Cats
Foram três dias para conseguir falar com a cantora e, agora atriz, Paula lima. Não é para menos, a
sua agenda estava muito atribulada antes da estreia do musical Cats, no Teatro Abril, em São Paulo. Foram dois meses extenuantes de ensaios e Paula estava fazendo uma apresentação - todos os dias - antes mesmo da peça começar oficialmente para o grande público. Exigências do padrão Broadway de produções. Em nossa entrevista, ela não declinou de nenhuma pergunta, mesmo quando algumas eram provocativas. "Adoro perguntas provocativas", disse Paula, aos risos. A "cantriz" se mostrou muito à vontade em falar sobre sua carreira e do novo desafio: atuar como atriz - pelo menos por enquanto - em musicais (Paula contou que foi mordida por uma gata e, ao que tudo indica, pretende "desnovelar" outras experiências como atriz, em outros musicais). Falou da importância dos seus pais em lhe propiciar educação e cultura, fundamentais para o encaminhamento de sua vida e sua carreira, da "concessão" que fez ao aceitar ser jurada do programa Ídolos - não condizente com sua trajetória, assentada no rico lar musical de sua infância quando escutava a fina flor da música brasileira, misturada, claro, com cantores americanos, música cubana, suas aulas de piano e suas lúdicas imitações de cantoras como Alcione.
Destaca-se também a visão que Paula tem da negritude, em nada sectária. Com vocês, o pensamento suingado da cantora do funk, do rap, do soul, da black music, do sambachic e, por que não, da MPB? "Não sou cantora purista de MPB, porque não mexe com meu sangue", ela responde.
Apesar de fazer uma participação especial em Cats, você pode ser considerada uma das protagonistas da peça. Os musicais, que estão vindo da Broadway e montados no Brasil, não há papel de protagonista para atores negros. Como é ser uma das primeiras negras a protagonizar um musical no país?
Infelizmente, eu não tenho esse conhecimento profundo sobre musicais. Então, não sei se, fora do Brasil, não há papéis de destaque para atores negros.
Existem, mas ainda é muito pouco, comparando com o número de musicais em cartaz na Broadway. Mas em relação aos espetáculos montados aqui no Brasil, ainda não há papéis de protagonistas para atores negros. Mas em Hairspray, em cartaz em São Paulo, há atores negros que estão se destacando...
Acho que essa coisa de ser protagonista, no meu caso é o seguinte: sou uma cantora, não sou uma atriz. E normalmente eles chamam atrizes cantoras. Isso também acaba limitando um pouco. Eu mesma poderia ter dito não, porque não sou atriz e é era um grande desafio. Poderia tanto ouvir críticas negativas, quanto boas. De qualquer maneira, você está colocando sua cara à tapa. Tanto é que não aceitei de imediato, pois teria que fazer um trabalho muito profundo, muito intenso em termos de atuação e colocação vocal. Tive aulas extenuantes com Stan Tucker (supervisor musical), que passou dois meses com a gente e voltou para os Estados Unidos. Ele me ensinou a deixar a minha voz mais metálica, mais brilhante, colocá-la mais para fora, deixá-la mais na região da cabeça, tirar um pouco do peito, tirar um pouco de ar. Como cantora, eu não fazia isso! Aceitei o desafio, porque estava muito a fim de conhecer o universo do teatro musical, os diretores, o elenco, que é superbem treinado.
Mas voltando a sua pergunta. Acho que não há papéis para os negros em musicais por problemas socioeconômicos também. Muitas vezes, o negro não tem como estudar, como se aprimorar. Acho que não pode ter caridade, a gente não quer. O que a gente quer são pessoas preparadas para darem o melhor delas, independentemente de ser negro ou branco. Vejo os atores Saulo Vasconcelos, que faz o papel do gato Old Deuteronomy, e Sara Vasconcelos, que faz a gata Jelly Orum. São excelentes profissionais e merecem ocupar o lugar de destaque que eles têm nesse e em outros musicais que trabalharam. São brancos e muitos talentosos. Estudaram anos a fio para hoje chegarem à posição de protagonistas. É muito pequeno pensar que fulano de tal está no musical porque é branco e que sicrano não está porque é negro. Não quero ter um negro pagando um mico. Prefiro ver o negro atuando de verdade. É o mérito que deve servir como parâmetro.
por Amilton Pinheiro | fotos Rafael Cusato e Divulgação
Você teve uma boa educação dos seus pais, inclusive, chegou a se formar em Direito pela faculdade Mackenzie, mas nunca exerceu a profissão.
Trabalhei no Tribunal de Justiça, mas nunca exerci a profissão de advogada. Muita gente fala assim: "Suas entrevistas são boas. Você fala bem". Tive a sorte de meus pais sempre valorizarem os meus estudos, a minha educação. Estudei em bons colégios particulares. Eles sempre pagaram, mesmo a gente não tendo dinheiro sobrando. Minha família vinha da classe média baixa. Meu pai era metalúrgico e minha mãe, professora primária. Hoje é aposentada. Acredito que isso é muito de quem direciona sua vida. Meu avô já tinha dado educação para os filhos, e os filhos deram educação para os seus filhos. Então, não é da noite para o dia que você vai conseguir as coisas. Estudei piano, incentivada por minha mãe. Fui fazer faculdade de Direito no Machenzie. Conheci uma série de pessoas que muito me ajudaram a crescer. Sou fruto de toda essa trajetória.
Fale um pouco da sua personagem Grizabella, que tem um papel muito importante no desenrolar da história, além de cantar a música mais conhecida e mais famosa do musical Cats, Memory, interpretada por diversos artistas do mundo, como Barbra Streisand.
Recebi esse convite e, apesar de me sentir privilegiada, resisti em aceitar logo no início, muito em função dos meus compromissos de cantora, e com o programa Ídolos, que faço desde 2008, na Record. Mas como gosto de aproveitar as oportunidades e os desafios, aceitei. Eles falaram que eu ia fazer a Grizabella, uma gata madura, marcante, com muita personalidade, conhecida no mundo inteiro, além de cantar a música Memory, que já está no inconsciente coletivo de muita gente. Esse é o grande desafio da minha carreira, até então. No musical tenho que cantar, atuar, saber as marcações de palco, as coreografias. Tem ainda a preparação vocal e física e trabalhar com um elenco tão afiado. Mas tudo isso trazia insegurança. Quando aceitei o convite, achava que estava tudo certo.
por Amilton Pinheiro | fotos Rafael Cusato e Divulgação
1- Descontração total no ensaio fotográfico para a RAÇA BRASIL; 2- Make up com Daniel Brasil e, ao fundo, a assessora Daniela Bassit; 3- A cantora durante a entrevista com o jornalista Amilton Pinheiro |
Mas logo depois eles me falaram que eu ia fazer um teste com o pessoal do musical. Eu disse: "Como assim, eu não sou convidada?".
Tive que fazer um teste com todos eles na sala. Cheguei e fui me sentar para tocar piano e cantar. Eles disseram que eu tinha que ir até o meio do palco e cantar para a banca. Fiquei nervosa, mas fui em frente. Cantei a música Memory e, quando terminei, eles não disseram nada. Saí e pensei que não ia passar no teste. E aqui estou, depois de mais de dois meses de ensaios, dando entrevista para você e falando sobre a minha personagem Grizabella.
No início fiquei apreensiva, porque ela era decadente, manca, usava uma maquiagem pesada, era envelhecida, com aquela peruca branca. Achei que, por ser muito diferente da minha personalidade, não iria suportar a carga pesada da personagem. Mas deu tudo certo no final (risos).
Quando você era criança, já demonstrava alguma aptidão para cantar?
Desde muito pequena eu queria cantar música popular, mas não conseguia cantar e me acompanhar no piano. Foi nesse momento que descobri que, apesar de gostar de tocar piano, queria ser cantora e não pianista. Nessa época, já imitava a cantora Alcione. Na verdade isso aconteceu junto: quando comecei a tocar piano e cantarolar pela casa. A gente morava num sobrado e eu subia aquela escada para cantar. Pegava as sandálias da minha mãe, sua peruca, pois era comum mulher usar peruca naquela época, e sua escova de cabelo que utilizava como microfone, para imitar a cantora Alcione. Obrigava meus pais a me assistirem. A minha casa foi meu primeiro palco e meus pais, minha primeira plateia.
Olhando sua trajetória artística, sua entrada como jurada do programa Ídolos parece uma concessão que você fez na carreira. Fiquei surpreso ao vê-la participando do programa. Os jurados humilhavam alguns candidatos, falando de suas aparências e defeitos, inclusive. Deixava-os em situações vexatórias e até desumanas. Aí eu pergunto: como uma artista como você se sujeitou a participar de um programa como esse? Foi por dinheiro, pelo reconhecimento, foi por que, afinal?
Então, vou te falar. O programa American Idol existe desde 2001 no mundo. Como uma pessoa de música, independente de qualquer outra coisa, me tornei muito fã do programa, fã do formato do programa. Sou fã dos jurados Simon Cowell e da Paula Abdul. Acho que me tornei muito fã pela falta de programas musicais na televisão.
Meu marido, quando chegava em casa e me via assistindo ao programa, reclamava comigo. Eu até me divertia com o começo que tinha essas pessoas que vão lá, e, por não saberem cantar, são humilhadas. E nem sempre os jurados passavam a mão na cabeça delas. Quando o programa foi para Record, em 2008, fui chamada para participar. A princípio, não aceitei. Até que meu empresário me convenceu. Olha que Fernanda Abreu, Edgard Scandurra, entre outros, já tinham feito testes.
por Amilton Pinheiro | fotos Rafael Cusato e Divulgação
Fui e lá me senti muito bem na bancada dos jurados, ouvindo os candidatos, sem julgá-los se eram gays, gordos, baixos, magros... Vou dizer uma coisa: essa parte, que tem as pessoas que você ficou escandalizado, não é o que me interessa no programa. O que me interessa são as pessoas que pintam com vozes incríveis, talentos maravilhosos e que, muitas vezes, não têm onde mostrá-los. A parte que me interessa do programa é a música. A parte que nós viajamos para conhecer as pessoas não me agrada nem um pouco. Quando entram dez candidatos ruins, não é nada legal. Posso estar fazendo parte do programa, mas jamais você vai me ouvir falando qualquer coisa das que você enumerou. Eu estou lá, porque faço parte do programa, não tem como falar para a direção que não vou participar. Eu topei fazer o programa e tenho que fazer todo ele. Se sou fã do American Idol, por que não fazer Ídolos?
Vejo tudo isso de uma forma mais ampla. Existe uma perversidade por trás desse formato de programa. Para mim, é como qualquer reality show. Por isso, não tenho como concordar com esse tipo de programa, que não tem nada a acrescentar ao telespectador...
Só me fala uma coisa, numa boa, obviamente que estou puxando sardinha para o meu lado, mas por que eles aceitam participar desses programas? Ninguém pede para eles se inscreverem...
Vivemos num mundo da extrema valorização da imagem, e reality show são a via principal de tornar visível essa imagem, de torná-la rentável para quem as vende. Na maioria das vezes essa imagem, esse artista, não têm conteúdo nenhum. Os jovens de hoje são seduzidos por isso, ficam deslumbrados, muito em função dos atrativos que esses programas oferecem.
Eu não iria nunca participar de um programa assim, mesmo que estivesse com vinte anos, hoje. Não iria, sabe por quê? Porque sou tímida e não sou deslumbrada. As pessoas têm várias formas de buscar a realização dentro da música. Uma forma é participar de programas de TV e outra é ralar, comendo pelas beiradas. Infelizmente, tem o cara que é ridicularizado, mas tem o que brilha. E tem uma coisa que não posso negar: foi o programa Ídolos que me tornou uma artista nacional. Há coisas que não suporto, mas levam cem mil pessoas ao show, que gritam o tempo inteiro. E há shows, como o meu, que levam duas mil pessoas, e aí?
Antes de gravar o DVD Samba Chic, em 2008, cantando sambas, você tinha provado do funk, do soul, do rap. Por que essa opção tardia pelo samba?
Eu venho de uma família negra, que escutava Marinho da Vila, Wilson Simonal, Ray Charles, música cubana. O samba entrou na minha vida de uma maneira totalmente natural, mas você vê que o tempo inteiro tem o mix aí. Não sou cantora de samba. Adoro o samba, que acaba dando a estrutura e o chão para mim. Mas dentro disso, tem o soul, o funk, até o jazz que, às vezes, é a maneira como eu canto um samba.
Por que não canta MPB?
Não sou uma cantora purista de MPB porque não mexe com meu sangue. Várias vezes tive a oportunidade de fazer isso, mas não quis cantar MPB pura. Não é uma coisa que me traz energia. Gosto dessa mistura, dessa coisa moderna, com pressão, com atitude, que tem balanço, que tem suingue. Jorge Ben Jor é o melhor exemplo que temos de balanço, suingue, com pitadas de Bossa Nova e jazz. Mas é puramente música brasileira. Eu bebo muito na fonte dele. O Brasil é muito isso: ou é rock, ou é samba, ou é balanço, ou é sertanejo, que por sinal, eu nunca vou cantar, não tem nada a ver comigo.
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